As coisas boas da vida

"ter uma família e poder sustentá-la dignamente e poder educar os filhos e poder namorar e poder gozar os prazeres da vida, etc."

[Uma pequena pergunta economicista (ui!): se uma pessoa não produz o suficiente para se poder sustentar dignamente, porque haverá de ter de ser o Estado ou a empresa onde trabalha a fazê-lo?]

O que é que eu vejo em muitas pessoas da minha geração (20-30 anos) é a noção que tudo isto, estas coisas boas que todos queremos, é um direito natural que alguém é obrigado a fornecer-lhes. Quando uma pessoa sai do trabalho dura da faculdade, ou tem já o emprego de sonho, com poucas horas de trabalho por dia, sem grandes chatices, com um bom ordenado, ou o mundo está perdido.

Quando se chega aos 30 anos e não se tem o emprego com que sempre se sonhou, então começa-se a acusar tudo e todos por não se ter o país que queremos. Ou então, para alguns sortudos, o emprego de sonho já deixou de ser de sonho, porque dá trabalho, porque há problemas. Trabalhar muito, aprender a ser produtivo, ser organizado, esforçar-se para construir alguma coisa, empreender, criar, gostar de "fazer coisas", ter imaginação: tudo isso é coisa "careta", não serve. Só as coisas boas a que temos direito é que contam.

Ninguém gosta do caminho para se chegar às coisas boas (é normal que não se goste da parte do trabalho duro, mas é preciso): mas daí a advogar que não é preciso esse caminho, que temos direito a ter o caminho almofadado, vai uma grande distância.

No fim, quando se lutou, tudo sabe melhor. Ou não?

Infelizmente, a resposta a este tipo de argumentos é: "mas já se trabalha demais, já não há tempo para nada". Trabalha-se muito, porque se trabalha mal. Esse é o problema. Se não se produzir para poder criar a riqueza a que corresponde o ordenado, o mesmo é irreal, é um subsídio que outros pagam para que possamos viver bem (até que o subsídio acaba, porque o outro está esfalfado a descansar). Por isso, temos de trabalhar mais até aprendermos a trabalhar melhor.

Claro que isto está muito longe da discussão do domingo: não me choca nada que o domingo seja de descanso obrigatório. Deve sê-lo. Mas se a maioria das pessoas, nesse descanso, querem ir às compras (porque não o podem fazer noutra altura) - e tal como há profissões com descansos alternados -, os hipermercados podiam adaptar-se a essa necessidade e melhorar a vida a todos: aos compradores, aos trabalhadores (que ganham mais para compensar o trabalho de fim-de-semana, como é justo), às empresas (que não são os inimigos dos trabalhadores, ao contrário do que se pensa).

Dirão alguns: "mas onde está a qualidade de vida dum domingo passado no centro comercial?". Concordo inteiramente. Não gosto de ir ao centro comercial ao domingo. Mas não sou eu que decido o que é a qualidade de vida dos outros.

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