O meu ditador é melhor do que o teu!

O giro é que todos andamos a tentar comparar ditadores: "sim, o Pinochet era mau, mas o vosso Fidel é tão mau ou pior e gostam na mesma dele"; "sim, o Fidel não é flor que se cheire, mas o Pinochet é que era mesmo mau!" Depois, com aquele olhar "ah, já te apanhei" todos dizemos que os outros andam a desculpar ditadores só porque são do campo "certo".

Lembro-me de ler que Cardoso Pires (homem de pergaminhos indubitavelmente de esquerda) chocou alguns amigos ao assinar um abaixo-assinado contra a prisão de dissidentes soviéticos, poucos meses depois do 25 de Abril (crime de lesa-Utopia!). A resposta dele (penso que a Maria Lúcia Lepecki) foi algo do género: "mas só assim posso assinar abaixo-assinados contra o Pinochet!" Isto mostra duas coisas: é natural que os ditadores da nossa zona sejam mais simpáticos (Cardoso Pires, no fundo, assanhava-se mais facilmente contra Pinochet). Mas, acima dessa simpatia quase irracional, há que ser superior e lutar contra tudo o que vá contra a nossa terrível liberdade (Cardoso Pires sabia que a coisa era mais complexa que a simples divisão esquerda-direita).

(Cardoso Pires foi dos poucos esquerdistas que sempre foram, sem vacilar, a favor de toda e qualquer liberdade. Que pena não ser monárquico, liberal, etc., etc. Mas pelo menos era libertino dos velhos, não se levava demasiado a sério e era boa gente.)

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